Era junho e o dia do meu aniversário. Eu era Business Partner de RH e atendia algumas áreas internas, inclusive o RH. No meio do ano ocorriam os fechamentos dos ciclos de avaliação de desempenho de todos os funcionários. Como a equipe de RH era composta por Gerentes de todo o Brasil e era uma equipe grande (aproximadamente 40 gerentes) decidi fazer a reunião num hotel longe da empresa, assim teríamos mais espaço, privacidade e foco.
Foram 2 dias de avaliações e eu já havia finalizado os processos de outras áreas, que tinham sido bem conduzidos e com profissionalismo pelos gestores, que se prepararam, levaram suas anotações, mostraram os resultados alcançados ou não pelos funcionários, assim como
suas recomendações finais. Era meu primeiro ano conduzindo as avaliações da área de Recursos Humanos. Meus colegas, que trabalhavam ao meu lado diariamente, estavam nessa lista. Já era uma situação suficientemente desconfortável e imaginei que, se tratando de profissionais de RH, seriam realizadas análises embasadas, coerentes e éticas. Me enganei!
Foi um show de falta de classe, compostura, profissionalismo e ética. Vi gerentes com anos de "casa" avaliando funcionários dizendo:
"Ela usa regata para trabalhar, não tem postura, deve ficar no box 9"
O box 9 é a pior avaliação e significa desligamento em 6 meses. Se isso era argumento para má avaliação de um funcionário a ponto de desligá-lo? Discordo completamente! Isso é o tipo de situação que deve ser fornecido um feedback cuidadoso previamente, inclusive para preservar a imagem da funcionária na empresa, mas a real é que a gerente não gostava da funcionária e sem argumentos concreto resolveu escrachar. Esse é apenas um exemplo dos inúmeros similares que se seguiram. A falta de compostura e profissionalismo prosseguiu sem qualquer vergonha ou "se mancol", como diria minha mãe.
Ao fim do dia vi alguns gerentes super competentes chorando, porque não acreditavam no que tinham visto. Eu estava tão exausta e sem energia que nem queria celebrar meu aniversário. Meus pais me "obrigaram" a ir até a casa deles, pois eles tinham feito jantar e um bolo para mim. Dormi no sofá da sala deles.
Apesar de não ser religiosa, eu adoro história e acordei no dia seguinte como se Moisés tivesse aberto o mar vermelho para eu passar e me salvar. Poucos dias antes eu tinha recebido a notícia de que seria obrigada a tirar 30 dias de férias, assim como todos os funcionários, para a empresa obter "saving" financeiro, pois a situação não estava boa. Até aquele momento não tinha ideia do que faria com 30 dias de férias dentro de 1 mês. Após a abertura do "mar vermelho" entrei na internet, me matriculei num curso de italiano, numa cidadezinha no meio da Toscana, emiti passagem, reservei um quarto na casa de uma família e comecei a sonhar. Na verdade, eu queria fugir daquela realidade cruel. Simplesmente conseguir respirar e dormir.
Embarquei no começo de agosto. Ao entrar no trem de Milão para Arezzo meus pensamentos começaram a esvaziar. Comecei a me permitir viver e aproveitar cada momento. Eu ia para a escola pela manhã, comia meu croissant com geléia de "fruto do bosco" e expresso. Ao sair da aula almoçava uma bela pasta com vinho, pegava um gelatto e dormia no banco da praça. Além de alguns quilos extras, eu ganhei tempo comigo. Tempo para refletir o que fazia sentido em minha vida, quais eram meus valores, o que estava tirando minha energia e alegria e o que eu deveria fazer para mudar isso.
Nesses quase 40 dias eu estive comigo. Viajei para todos os lados da Itália, conheci a casa que meu "Nono" nasceu próximo a Nápoles (a casa continua lá de pé). Percorri de carro o caminho da cidade deles até o Porto de Nápoles, onde embarcaram para São Paulo, e comecei a pensar que, se nos dias atuais, a viagem de carro já era complicada, então imagina de carroça, com 11 filhos em 1905? Isso me deu força! Se meus Nonos conseguiram fazer isso, atravessar o oceano em condições precárias num navio, eu também conseguiria. Estava no meu sangue! Ser protagonista e não me colocar no papel de vítima.
Na volta dirigi da Costa Amalfitana até Milão sozinha. Os últimos dias foram difíceis. Realmente eu não queria voltar, mas sabia que precisava. No voo de volta fiz todo meu plano de ação para sair da empresa, fazer um sabático e mudar o rumo da minha vida. Coloquei os prazos, revisei minha reserva financeira, decidi os cursos que faria, inclusive os por hobby, as viagens que desejava ter e, ao pisar no Brasil, estava decidida que em 3 meses diria "Chega!".
No dia 07 de janeiro de 2017, eu disse meu chega. Hoje completo 3 anos dessa jornada incrível, que teve altos e baixos, momentos que duvidei de mim, outros com muita confiança, em alguns deixei alguns "amigos" para trás, em tantos outros ganhei novos amigos, pessoas que confiaram em mim e que nunca tinha imaginado, enquanto outros me decepcionaram, mas jamais duvidei que minha decisão estava mais do que certa. Lembro o dia que assinei minha carta de desligamento e, ao deixar a empresa, passei na casa de uma grande amiga, então ela olhou para mim e disse "eu nunca vi alguém que acabou de ficar desempregada com esse sorriso largo e sereno no rosto". Era assim que me sentia verdadeiramente!
Você já teve vontade de dar seu "chega"?
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